Estabelecidas as noções introdutórias do Direito Administrativo, apontado como ramo do direito público interno que se preocupa com a atuação do Estado na perseguição do interesse público e reconhecido que o seu objeto é a atividade administrativa desse ente, é possível analisar agora os princípios que embasam a disciplina.
Para o reconhecimento do Direito Administrativo como disciplina autônoma, esses princípios não podem ser escolhidos de forma aleatória e também não podem ser considerados de forma isolada; é necessária a fixação de um conjunto sistematizado de princípios e normas que lhe dê identidade, tornando possível diferenciá-lo das demais ramificações do Direito. Os princípios escolhidos para compor esse conjunto devem ser peculiares aos seus objetivos e devem especialmente guardar entre si uma correlação lógica, uma relação de coerência e unidade, um ponto de coincidência, compondo um sistema ou regime: o regime jurídico administrativo.
O regime jurídico administrativo tem grande valor metodológico porque explica cada um dos institutos do Direito Administrativo e permite a compreensão da respectiva disciplina. Consiste em valioso material para conduzir a vida na Administração Pública e orientar os aplicadores do Direito.
Todavia, o estudo quanto ao regime jurídico administrativo ainda é incipiente, exigindo-se um aprofundamento. Apesar de pacífica a existência de uma unidade sistemática de princípios e normas que formam em seu todo o Direito Administrativo, é preciso incrementar os estudos para determinar, de modo preciso, quais são os princípios básicos que devem ser incluídos nesse conjunto, quais efetivamente se interligam e seus respectivos pontos de coincidência e correlação e quais os seus desdobramentos, os subprincípios que deles derivam, o que ainda é objeto de muita divergência doutrinária.
Os estudiosos divergem quanto à disposição dos princípios, no que se refere à decorrência de um em razão do outro. Parte da doutrina, por exemplo, Hely Lopes Meirelles, não cuida especificamente do regime jurídico e passa a discorrer sobre cada princípio separadamente. De outro lado, há alguns doutrinadores que buscam definir a relação lógica entre esses princípios, estabelecendo os seus subprincípios, como é o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello. Independentemente dessa discussão, passa-se a tratar dos princípios que envolvem o Direito Administrativo, identificando, quando necessário, a correlação entre eles.
DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS
Hoje, com o objetivo de interpretar o ordenamento jurídico vigente definindo sua aplicação, a doutrina mais moderna faz distinção entre princípios e regras, o que representa uma importante chave para a solução de problemas centrais na aplicação dos direitos fundamentais.
O atual ordenamento jurídico reconhece que os princípios não são simples recomendações, orientações; são normas que obrigam aqueles que a elas estão sujeitos. A sua generalidade quanto aos destinatários e ao conteúdo não prejudica a sua força coercitiva e assegura maior potencial de durabilidade na regulação da vida em sociedade.
Todavia, o sistema não pode ser baseado somente em princípios, porque a sua aplicação a determinado caso concreto depende de atividade interpretativa do agente a ele submetido, o que pode comprometer sua segurança jurídica, daí porque se depende também da definição das regras. Da mesma forma, somente de regras não seria possível a sua manutenção, considerando que o diploma legal teria que ser muito minucioso, exaustivo, completo, o que impediria a ponderação dos interesses públicos e a evolução ágil da norma compatível com as necessidades e conflitos sociais em dado momento histórico. Enfim, hoje o ordenamento jurídico se faz em duas bases, duas espécies normativas: princípios e regras.
Esse cenário reconhecido na doutrina contemporânea de normatividade dos princípios e de importância das regras, pacificando a distinção entre ambos e os admitindo como espécies de normas jurídicas, a solução de seus conflitos e o critério de ponderação dos interesses decorrem dos relevantes estudos de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Muitos trabalhos e obras brasileiras já se valeram dessa construção para melhor solucionar os conflitos na ordem nacional.
Assim, princípios são mandamentos de otimização, normas que ordenam a melhor aplicação possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, portanto, a sua incidência depende de ponderações a serem realizadas no momento de sua aplicação. Existindo para o caso concreto mais de um princípio aplicável, esses não se excluem.
Importante grifar que cada princípio é dotado de determinado valor, dimensão de peso, não tendo amplitude fixada de antemão, logo, a tensão entre eles admite a adoção do critério da ponderação dos valores ou ponderação dos interesses aplicável ao caso concreto, devendo a cada caso o intérprete verificar o grau de preponderância. Assim, um determinado princípio pode prevalecer em uma situação específica e ser preterido em outra, o que não significa nulidade do princípio afastado, esse continua intacto.
De outro lado, tendo em foco as regras, a situação de conflito resolve-se de outra forma. As regras caracterizam-se pela concretude; são mandamentos de definição que contêm determinações sobre as situações fáticas e jurídicas possíveis e cuja amplitude é fixada antecipadamente. São operadas de modo disjuntivo, isto é, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade, assim, se uma regra empregada ao caso é válida, deve-se fazer exatamente o que ela determina, devendo ser aplicada como prescreve. Apontada a norma válida para o caso concreto, atribui-se à outra o caráter de nulidade; segue-se a lógica do tudo ou nada.
Por fim, vale ressaltar que não há hierarquia normativa entre os princípios e as regras, podendo qualquer um deles prevalecer, observando o estatuto que o institui. Em inúmeras situações, apesar da aparente contradição, isso não se verifica, porque, na verdade, as regras refletem os princípios; a regra só ganha o contorno que tem em razão de um princípio que a antecede e a fundamenta. Em contrapartida, as regras conferem aos princípios a sua forma e amplitude, dando-lhes concreção.