O processo penal, em todo o território nacional, rege-se pelo Decreto-lei n. 3.689/41, mais conhecido como Código de Processo Penal. Tal regra encontra-se em seu art. 1º, caput, que, portanto, adotou, quanto ao alcance de suas normas, o princípio da territorialidade, segundo o qual seus dispositivos aplicam -se a todas as ações penais que tramitem pelo território brasileiro. De acordo com o item 2 da Exposição de Motivos do referido Decreto-lei, a apresentação de seu projeto decorreu da “necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único”, afastando-se peculiaridades existentes nos códigos estaduais.
Exceções à incidência do Código de Processo previstas em seu art. 1º.
Nos cinco incisos do próprio art. 1º do Código foram elencadas hipóteses em que este não terá aplicação, ainda que o fato tenha ocorrido no território nacional. Tais exceções referem -se:
I — os tratados, as convenções e regras de direito internacional;
Os tratados, convenções e regras de direito internacional, firmados pelo Brasil, mediante aprovação por decreto legislativo e promulgação por decreto presidencial, afastam a jurisdição brasileira, ainda que o fato tenha ocorrido no território nacional, de modo que o infrator será julgado em seu país de origem. É o que acontece quando o delito é praticado por agentes diplomáticos e, em certos casos, por agentes consulares. Insta, quanto a este aspecto, ressaltar duas Convenções Internacionais que cuidam do tema:
a) Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (aprovada pelo Decreto Legislativo n. 103/64 e promulgada pelo Decreto n. 56.435/65).
De acordo com o seu art. 31, § 1º, os agentes diplomáticos gozam de imunidade de jurisdição penal no Estado acreditado (onde exercem suas atividades), não estando, porém, isentos da jurisdição do Estado acreditante (país que representam).
A função primordial das missões diplomáticas é representar o Estado acreditante perante o Estado acreditado (art. 3º, a, da Convenção). Nos termos do art. 1º, e, da Convenção, agentes diplomáticos são os Chefes da Missão (embaixadores) e os membros que tenham a qualidade de Diplomata. Esta imunidade de jurisdição é plena, não pressupondo que estejam no exercício de suas funções, e estende-se aos familiares que com ele vivam no Estado acreditado (art. 37, § 1º).
O pessoal técnico e o administrativo, bem como os responsáveis pelo trabalho doméstico, também gozam desta imunidade, desde que o fato ocorra no desempenho das funções, e desde que não sejam brasileiros nem tenham residência permanente no Brasil (art. 37).
O art. 32 da Convenção estabelece que o Estado acreditante, a seu critério, pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do art. 37.
b) Convenção de Viena sobre Relações Consulares (aprovada pelo Decreto Legislativo n. 106/67 e promulgada pelo Decreto n. 61.078/67).
De acordo com o art. 43, tópico 1, desta Convenção, os funcionários e empregados consulares possuem imunidade de jurisdição, desde que referente a atos criminosos cometidos no exercício das funções consulares. Os cônsules não representam o Estado acreditante, e sim os interesses (comerciais, econômicos, culturais, científicos) deste Estado e de seus cidadãos perante o Estado receptor.
Tribunal Penal Internacional.
O art. 5º, § 4º, da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, prevê que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Assim, ainda que um delito seja cometido no território brasileiro, havendo denúncia ao Tribunal Penal Internacional, o agente poderá ser entregue à jurisdição estrangeira.
O Tribunal Penal Internacional foi criado em julho de 1998 pela Conferência de Roma. O Brasil formalizou sua adesão por intermédio do Decreto Legislativo n. 112/2002, promulgado pelo Decreto n. 4.388/2002. De acordo com o seu art. 5º, tópico 1, o Tribunal Penal, com sede em Haia, é órgão permanente com competência para o processo e o julgamento dos crimes mais graves, que afetem a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do Estatuto, o Tribunal terá competência para processar e julgar:
a) crimes de genocídio;
b) crimes contra a humanidade;
c) crimes de guerra;
d) crime de agressão.
As três primeiras categorias estão expressamente definidas nos arts. 6º, 7º e 8º do Decreto. Os crimes de agressão deverão ainda ser definidos (art. 5º, tópico 2).
O art. 5º, LI, da Constituição Federal veda a extradição de brasileiro nato e tal dispositivo conflita com o teor do Decreto, promulgado em 2002, em que o Brasil adere ao Tribunal Internacional, permitindo a entrega de brasileiros natos ou naturalizados para o julgamento em Haia. Exatamente por isso foi promulgada a Emenda Constitucional n. 45/2004, a fim de conferir caráter Constitucional ao Decreto. Agora, não há mais conflito entre uma regra constitucional e um Decreto, e sim entre duas regras da própria Carta Magna. A doutrina, contudo, harmonizou o conflito entre a permissão de “entrega” de brasileiros ao Tribunal Penal Internacional e a vedação da “extradição” de brasileiros natos, justificando que o instituto da Entrega é diferente da Extradição. A Entrega é o envio de um indivíduo para um Organismo Internacional não vinculado a nenhum Estado específico, diferentemente da Extradição, que é sempre para um determinado Estado estrangeiro.
II — às prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2º, e 100);
Esse dispositivo refere-se aos crimes de natureza político-administrativa e não aos delitos comuns. O julgamento dessas infrações não é feito pelo Poder Judiciário, e sim pelo Legislativo, e as consequências são a perda do cargo, a cassação do mandato, a suspensão dos direitos políticos etc. A condenação não gera reincidência nem o cumprimento de pena na prisão.
Atualmente, as regras referentes ao julgamento dos crimes de responsabilidade encontram-se na Constituição Federal e em leis especiais. Ao Senado Federal, por exemplo, compete privativamente processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (art. 52, I, da CF); e, ainda, processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes da mesma natureza. O procedimento é regulado pela Lei n. 1.079/50.
Pelo fato de o tema não guardar relação imediata com o direito penal e seu respectivo processo, e sim com o Direito Constitucional, o tema é estudado com minúcias nas obras de referida disciplina, inclusive em relação aos crimes de responsabilidade de outras autoridades como prefeitos, vereadores, governadores etc.
III — aos processos da competência da Justiça Militar;
Os processos de competência da Justiça Militar, isto é, os crimes militares, seguem os ditames do Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei n. 1.002/69), e não da legislação processual comum.
IV — aos processos da competência do tribunal especial (Constituição, art.122, n. 17);
A Constituição mencionada é a de 1937 e o tribunal especial referido julgava delitos políticos ou contra a economia popular por meio do chamado Tribunal de Segurança Nacional (Lei n. 244/36). Esse dispositivo há muito tempo deixou de ter aplicação, mesmo porque o art. 5º, XXXVII, da Constituição Federal veda os tribunais de exceção. No regime atual, os crimes políticos são de competência da Justiça Federal (art. 109, IV, da CF) e os crimes contra a economia popular são julgados pela Justiça Estadual.
V — aos processos por crimes de imprensa.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 130-7/DF), declarou que referida lei não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, de modo que, atualmente, os antigos crimes da Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) deverão ser enquadrados, quando possível, na legislação comum, e a apuração dar-se-á nos termos do Código de Processo Penal. Em suma, o que era exceção deixou de ser.
Exceções à incidência do Código de Processo decorrentes de leis especiais.
Com o passar do tempo muitas regras do Código de Processo Penal foram se tornando obsoletas, de modo que o legislador optou por aprovar algumas leis especiais que excepcionam a aplicação de referido Código em relação à apuração a determinados crimes, como, por exemplo, aqueles ligados a drogas, cujo rito é integralmente regulado pela Lei n. 11.343/2006; os crimes falimentares, cujo rito encontra-se na Lei n. 11.101/2005; as infrações de menor potencial ofensivo, tratadas em sua totalidade na Lei n. 9.099/95 etc.
Extraterritorialidade da lei penal e territorialidade da lei processual.
Não se confunde o fato criminoso com o processo penal que o apura. Quando uma infração penal é cometida fora do território nacional, em regra não será julgada no Brasil. Existem, entretanto, algumas hipóteses excepcionais de extraterritorialidade da lei penal brasileira em que será aplicada a lei nacional embora o fato criminoso tenha se dado no exterior. Ex.: crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República (art. 7º, I, a, do Código Penal). É evidente que o trâmite da ação penal observará as regras do Código de Processo Penal Brasileiro pela óbvia circunstância de a ação tramitar no Brasil. Em suma, a lei penal nacional pode ser aplicada a fato ocorrido no exterior (extraterritorialidade da lei penal), mas a ação penal seguirá os ditames da lei processual brasileira (territorialidade da lei processual penal). Para que fosse possível se falar em extraterritorialidade das regras processuais nacionais, seria preciso que o Código de Processo Brasileiro fosse aplicado em ação em tramitação no exterior, o que não existe.