Antes de mais nada, cabe dizer que o direito ambiental brasileiro (conjunto de regras e princípios, formais e materiais, que regulam esta ciência) é recente.
Muito embora seus componentes e até seu objeto de tutela estejam ligados à própria origem do ser humano, não se pode negar que o tratamento do tema visto sob uma perspectiva autônoma, altruísta e com alguma similitude com o sentido que se lhe tem dado atualmente não é tão primevo assim. É por isso que se diz que o direito ambiental é uma ciência nova. Noviça, mas com objetos de tutela tão velhos...
Como todo e qualquer processo evolutivo, a mutação no modo de se encarar a proteção do meio ambiente é feita de marchas e contramarchas. Não se pode, assim, identificar, com absoluta precisão, quando e onde terminaram ou se iniciaram as diversas fases representativas da maneira como o ser humano encara a proteção do meio ambiente. Na verdade, esse fenômeno pode ser metaforicamente descrito como uma mudança no ângulo visual com que o ser humano enxerga o meio ambiente.
PRIMEIRA FASE: A TUTELA ECONÔMICA DO MEIO AMBIENTE.
Porquanto os bens ambientais (água, fauna, flora, ar, etc.) já tenham sido objeto de proteção jurídico-normativa desde a antiguidade, importa dizer que, salvo em casos isolados, o que se via era uma tutela mediata do meio ambiente, tendo em vista que o entorno e seus componentes eram tutelados apenas na medida em que se relacionavam às preocupações egoísticas do próprio ser humano.
Durante muito tempo, assim, os componentes ambientais foram relegados a um papel secundário e de subserviência ao ser humano, que, colocando-se no eixo central do universo, cuidava do entorno como se fosse senhorio de tudo. É sob essa visão que surgem as primeiras “normas ambientais” no ordenamento jurídico brasileiro. Esse período pode ser aproximadamente identificado como o que abrange da época do descobrimento até a segunda metade do século XX.
Nessa primeira fase, a proteção do meio ambiente tinha uma preocupação meramente econômica. O ambiente não era tutelado de modo autônomo, senão apenas como um bem privado, pertencente ao indivíduo. Essa forma de proteção pode ser vislumbrada no antigo Código Civil Brasileiro de 1916, por exemplo nas normas que regulavam o direito de vizinhança (arts. 554, 555, 567, 584, etc.)
Basta uma rápida e aleatória leitura do Código Civil revogado para se perceber, claramente, que a preocupação com os bens ambientais foi de índole exclusivamente individualista, sob o crivo do direito de propriedade e tendo em vista o interesse econômico que tal bem representa para o homem. Tais bens, tidos até então como res nullius, passavam a ser vistos como algo de valor econômico e, por tal motivo, mereceriam uma tutela.
O que se percebe, entretanto, é que, conquanto sua tutela fosse voltada para uma finalidade utilitarista ou econômica, é inegável que o fato de os bens ambientais receberem uma proteção do legislador já era um sensível sinal da percepção do homem no sentido de que só tinham valor econômico porque seu estado de abundância não era eterno ou ad infinitum.
Afinal, a valoração econômica de um bem está ligada à sua oferta e à essencialidade. Sendo um bem essencial, com oferta limitada ou limitável, o legislador certamente vislumbrou a possibilidade do esgotamento dos recursos naturais e, de certa forma, a incapacidade do meio ambiente de absorver todas as transformações (degradações) provocadas pelo homem.
SEGUNDA FASE: A TUTELA SANITÁRIA DO MEIO AMBIENTE.
O segundo momento dessa evolução também é marcado pela ideologia egoística e antropocêntrica pura. A diferença é que, agora, a legislação ambiental era balizada não mais pela preocupação econômica, mas pela preponderância na tutela da saúde e da qualidade de vida humana.
Mais uma vez, o legislador claramente reconhecia a insustentabilidade do ambiente e a sua incapacidade de assimilar a poluição produzida pelas atividades humanas. E a tutela da saúde é o maior exemplo, e reconhecimento, de que o homem, ainda que para tutelar a si mesmo, deveria repensar sua relação com o ambiente que habita. Ficava cada vez mais claro que o desenvolvimento econômico desregrado era nefasto à existência de um ambiente sadio.
Destacam-se nesse período, que pode ser didaticamente delimitado de 1950 a 1980, o Código Florestal (Lei n. 4.771/65), o Código de Caça (Lei n. 5.197/67), o Código de Mineração (Decreto-lei n. 227/67), a Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nucleares (Lei n. 6.453/77), etc. A rasa leitura desses diplomas permite a franca identificação de uma preocupação do legislador com o aspecto da saúde, embora não se possa desconsiderar o fato de que ainda sobrevivia (como ainda hoje ocorre) o aspecto econômico-utilitário da proteção do bem ambiental.
TERCEIRA FASE: A TUTELA AUTÔNOMA DO MEIO AMBIENTE E O SURGIMENTO DO DIREITO AMBIENTAL.
Se nas duas fases anteriores a preocupação maior das leis ambientais, apesar da evolução, era sempre o ser humano, o que se viu a partir da década de 1980 foi uma verdadeira mudança de paradigma: não seria mais o homem o centro das atenções, mas o meio ambiente em si mesmo considerado.
Lei n. 6.938/81 — Política Nacional do Meio Ambiente.
Para tanto, pode-se afirmar que a Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) foi, por assim dizer, o marco inicial dessa grande virada. Foi ela o primeiro diploma legal que cuidou do meio ambiente como um direito próprio e autônomo. Nunca é demais lembrar que, antes disso, a proteção do meio ambiente era feita de modo mediato, indireto e reflexo, na medida em que ocorria apenas quando se prestava tutela a outros direitos, tais como o direito de vizinhança, propriedade, regras urbanas de ocupação do solo, etc.
Inicialmente, vale dizer que a Lei n. 6.938/81 foi concebida sob forte influência internacional, oriunda da Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, Suécia, no ano de 1972. Também foi influenciada, inegavelmente, pela experiência legislativa norte americana, especialmente pela lei do ar puro, pela lei da água limpa e pela criação do estudo de impacto ambiental, todos da década de 1970.
Como o próprio nome já diz, a referida lei criou uma verdadeira Política Nacional do Meio Ambiente, sendo muito mais do que um simples conjunto de regras, mas estabelecendo uma política com princípios, escopos, diretrizes, instrumentos e conceitos gerais sobre o meio ambiente.
O leitor deve estar se perguntando o que a Lei n. 6.938/81 tem de diferente. Por que ela é considerada tão importante e até mesmo um marco de uma nova fase de se enxergar o meio ambiente?
A verdade é que a Lei n. 6.938/81 introduziu um novo tratamento normativo para o meio ambiente. Primeiro, porque deixou de lado o tratamento atomizado em prol de uma visão molecular, considerando o entorno como um bem único, imaterial e indivisível, digno de tutela autônoma.
O próprio conceito de meio ambiente adotado pelo legislador (art. 3º, I) extirpa a noção antropocêntrica, deslocando para o eixo central de proteção do ambiente todas as formas de vida. A concepção passa a ser, assim, biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente considerado (ecocentrismo). Há, ratificando, nítida intenção do legislador em colocar a proteção da vida no plano primário das normas ambientais. Repita-se: todas as formas de vida.
Dessa forma, é apenas a partir da Lei n. 6.938/81 que podemos falar verdadeiramente em um direito ambiental como ramo autônomo da ciência jurídica brasileira. A proteção do meio ambiente e de seus componentes bióticos e abióticos (recursos ambientais) compreendidos de uma forma unívoca e globalizada deu-se a partir desse diploma. Em resumo, o fato de marcar uma nova fase do direito ambiental deve-se, basicamente, aos seguintes aspectos:
■ Adotou um novo paradigma ético em relação ao meio ambiente: colocou em seu eixo central a proteção a todas as formas de vida. Encampou, pois, um conceito biocêntrico (art. 3º, I).
■ Adotou uma visão holística do meio ambiente: o ser humano deixou de estar ao lado do meio ambiente e passou a estar inserido nele, como parte integrante, dele não podendo ser dissociado.
■ Considerou o meio ambiente um objeto autônomo de tutela jurídica: deixou este de ser mero apêndice ou simples acessório em benefício particular do homem, passando a permitir que os bens e componentes ambientais fossem protegidos independentemente dos benefícios imediatos que poderiam trazer para o ser humano.
■ Estabeleceu conceitos gerais: tendo assumido o papel de norma geral ambiental, suas diretrizes, objetivos, fins e princípios devem ser mantidos e respeitados, de modo que sirva de parâmetro, verdadeiro piso legislativo para as demais normas ambientais, seja de caráter nacional, estadual ou municipal.
■ Criou uma verdadeira política ambiental: estabeleceu diretrizes, objetivos e fins para a proteção ambiental.
■ Criou um microssistema de proteção ambiental: contém, em seu texto, mecanismos de tutela civil, administrativa e penal do meio ambiente.
Constituição Federal de 1988
Se a Lei n. 6.938/81 representou um marco inicial, o advento da Constituição de 1988 trouxe o arcabouço jurídico que faltava para que o Direito Ambiental fosse içado à categoria de ciência autônoma. Isso porque é no Texto Maior que se encontram insculpidos os princípios do Direito Ambiental (art. 225). A CF/88 deu, além do status constitucional de ciência autônoma, o complemento de tutela material necessário à proteção sistemática do meio ambiente.
Assim, seguindo a tendência mundial, a tutela do meio ambiente foi içada à categoria de direito expressamente protegido pela Constituição, tendo o legislador reservado um capítulo inteiro para o seu tratamento (art. 225). Antes disso, em constituições anteriores, o assunto era tratado de modo esparso e sem a menor preocupação sistemática. Apenas na Carta de 1969 é que se utilizou pela primeira vez a palavra “ecológico”, quando se cuidava da função agrícola das terras (art. 172).